segunda-feira, 11 de julho de 2016

Depois dessas eleições para o Diretório Central Estudantil, o que a esquerda tem para rever?



Nos últimos dias 6 e 7 de Julho de 2016 aconteceram as eleições para o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Até a chegada do dia das votações, o clima político na Universidade Federal de Juiz de Fora era de muita ansiedade e tensão. A princípio sete chapas se inscreveram, mas somente seis foram aprovadas para pleitear a gestão. A sétima chapa foi impugnada por não cumprir a regra de quorum feminino. 

Sem dúvida, essa foi uma eleição ímpar na história do DCE na UFJF. Foi uma disputa furiosa! Houveram chapas com propostas que expressaram os interesses mais diversos e antagônicos; propostas voltadas para os setores trabalhistas clássicos e populares e para até os setores neoliberais e “patronais” de fortalecimento das Empresas Juniores.

O desfecho foi quase um 7 a 1 da Marco Zero sobre as demais chapas. A Marco Zero vencera as eleições com 54% do total de todos os votos, poucos mais de 1400 votos de diferença da segunda colocada, a chapa Lutar sem Temer. A vencedora trouxe em seu programa um forte corporativismo estudantil. Trouxe propostas de autonomia imparcial e suprapartidária¹ para o DCE numa coesão de ideias dos estudantes de diversos cursos. O que isso significaria? Sem dúvida um retrocesso na luta de classes nos campi da UFJF. Tal resultado refletiu na luta trabalhista um desapontamento, mas não uma surpresa.

Há um contexto histórico também para a dificuldade da esquerda em avançar com suas pautas. Com o avanço do capital, os governos socialistas foram engolidos por não conseguirem extinguir a exploração do trabalhado no seu modo de produção. A cada ofensiva do capital, fica mais desafiador propor uma política teórica que paute a coletividade.

A esquerda tem enfrentado problemas crônicos no mundo desde a década de 1990. O condicionamento de grandes frações da esquerda à conciliação de classe, como fizeram os governos petistas, levaram a um alto desgaste da esquerda. Com o esgotamento dessa lógica um desacreditamento profundo dos partidos populares se expressa diante dos escândalos de corrupção. O problema não foi somente a corrupção, o trabalhador se viu fragilizado dentro do esgotamento de um sistema político de coalizão de interesses. O trabalhador viu seus direitos se esvair aos poucos com um desmonte gradual. Com isso, no Brasil, vimos processos contraditórios de movimentação da massa popular às ruas que se iniciaram nas Jornadas de Junho de 2013, que tiveram um sucesso no encapamento das pautas da esquerda, mas que aos poucos foram cooptadas pela direita.

Não tem como dizer que 54% da UFJF votou às cegas, sem a consciência do que estavam votando. Dizer isso seria uma ignorância sem tamanho. No mínimo seria uma falta de compreensão da realidade. Não tem como negar que isso é um reflexo da população cada vez mais desacreditada nos processos político-partidários, inclusive os populares e trabalhistas. Embora talvez não fosse esse o grande fator decisivo, a derrota da chapa Lutar sem Temer, em grande parte, se deu à resistência estudantil em confiar em pessoas filiadas a partidos políticos. A massa dos estudantes não possuem experiência partidária ou sindical. Desconhecem as diferenças entre o funcionamento de diversas entidades políticas. A vitória da chapa Marco Zero evidenciou isso.

Apesar de todo sujeito político ser ideológico, a guerra à ideologia com ideologia mostrou-se, nesse processo eleitoral, tão ridícula quanto acabar com a areia no deserto jogando mais areia no deserto. Não se tem dúvida de que todas as chapas representam um projeto societário. No caso da chapa Marco Zero, existe um projeto que não está nem um pouco preocupado em mudar a realidade posta. Um projeto societário que ofereceu justamente a retirada das entidades político-partidárias trabalhistas e populares do movimento estudantil que os discentes, bem como o resto da população, não mais confiam.

É uma chapa conservadora que irá assumir o DCE? Sem dúvida. Apesar de no programa a chapa defender o respeito ao nome social e um tímido apoio a campanha “Libera meu xixi”, esta chapa não questiona, e nem faz questão, sobre aonde os LGBTIs estão inseridos nos processos de acumulação de riquezas. Não será uma chapa que levará a sério essas questões. A Marco Zero não movimentará os estudantes para poder discutir sobre os LGBTIs com profundiade. Uma pessoa assumidamente homossexual na chapa não quer dizer que a comunidade LGBTI está sendo contemplada, muito pelo contrário, pode justificar a exclusão que LGBTI sofrem sob um discursos de “damos atenção a vocês, nós temos até um gay em nossa chapa”. 

A mais assustadora de todas as propostas foi da abertura de uma discussão sobre a implantação do ticket eletrônico do Restaurante Universitário. Ainda que seja uma proposta de discussão, isso já mostra uma intenção de uma implantação de recursos que mais tarde, devido a substituição da força de trabalho por equipamentos tecnológicos, irá justificar a demissão de trabalhadores. Além de um desgaste, isso impossibilitará o diálogo do DCE com o Sindicato dos Trabalhadores Técnico-Administrativos em Educação das Instituições de Ensino Superior (SINTUFJUF) nos momentos de greve.

Outras pautas que possuem mais consenso apresentam problemas, como a pauta do apoio estudantil. Não há uma aproximação desta chapa com os alunos do Serviço Social. Nas Ciências Sociais Aplicadas, no máximo há uma aproximação com os alunos do Direito que teriam uma bagagem para dialogar sobre. A princípio isso não quer dizer muita coisa. Somente o tempo mostrará de fato como isso irá se dar. Lembrando que última vez que tivemos uma pró-reitoria e uma vice-reitoria encabeçada por estudiosos do Direito, vimos acontecer na UFJF o edital mais cruel, burocrático e excludente já visto em anos.

Não é de hoje, o caráter duramente autoritário, no sentido pernóstico, pedante ou coisa que a isso valha, impregna frações da esquerda. Nos debates a esquerda só dizia jargões, não aprofundavam nos problemas e pareciam a todo momento buscar uma resposta eufórica da assembleia. Desavisados poderiam crer que aquelas pessoas estavam apenas interessadas em "lacrar". Faltou maturidade, sobretudo na discussão de temas sensíveis como as Empresas Juniores (EJs) e participação privada dentro da UFJF. Na mesa, no último debate, ficou claro que os dois estudantes da chapa Lutar sem Temer nem sabiam da existência do Centro Regional de Inovação e Transferência Tecnológica (CRITT). Não houve uma crítica fundamentada às EJs, ao CRITT e à EBSERH. Colocaram a iniciativa ou participação privada como uma responsável por todos os problemas de precarização dos trabalhadores.

As EJs são uma iniciativa privada. A iniciativa privada é uma expressão moderna e contraditória, não a razão dos conflitos de interesses que configuram a correlação de força entre os trabalhadores e o capital imperialista. A iniciativa privada é para aqueles que não tem relevância decisória. As EJs carregam em si a mistificação dos antagonismos nas relações de classe. Todas as chapas da esquerda foram ineficientes num debate que construísse uma crítica com os pés na realidade sobre as EJs.

Os estudantes não possuem livre recurso para o desenvolvimento da ciência. A iniciativa privada aparece como uma solução para o acesso à condições melhores de pesquisa e extensão que a universidade pública não oferece. Coloca como responsabilidade do estudante fornecer suas próprias soluções para os problemas estruturais que enfrenta em seu instituto de ensino. Além de tudo isso o caráter “empresa” já mostra um condicionamento da instituição de inserir o aluno dentro da dinâmica do mercado. 

É verdade que nenhuma Empresa Junior vai quebrar com o modelo econômico, disso ninguém tem dúvida. É verdade, entretanto também, que nenhum médico, nutricionista, psicólogo, advogado, engenheiro, economista e demais profissionais irá conseguir quebrar com o modelo econômico capitalista, visto que são demandados e cativos do capital. As profissões, assim como as empresas juniores, estão recheadas de uma realidade de gigantescas contradições. O intelectual orgânico fará com que sistema capitalista caia, não o profissional ou a iniciativa privada. Isso é óbvio.

Pela lei que as regulamenta, as empresas juniores só podem realizar projetos e serviços que cumpram o conteúdo programático do curso a que ela está vinculada e não pode propagar qualquer forma de ideologia ou pensamento político-partidário. As EJs cumprem o papel de estímulo à cultura empreendedora. Esta cultura é individualizante. Não é uma cultura revolucionária em hipótese alguma, inclusive, assim como nos demais espaços de trabalho, há um rechaço a isso. Não é uma cultura de fomento da coletividade que assegure a preocupação com o resto da classe trabalhadora. O trabalhador só é uma preocupação enquanto aquele que vende sua força de trabalho. É um estímulo apenas à acumulação de lucro, senão a EJ não se sustenta. Uma cultura que coloca a culpa do fracasso nos indivíduos e que não enxerga os problemas como resultados das relações sociais. Coloca o indivíduo como alguém que se fez a si mesmo, e não que ele é fruto da sociedade. Um estudante que levanta bandeiras revolucionária dentro de uma EJ pareceria incapaz de compreender o real papel que ele desempenha dentro da EJ.

Embora o cenário seja péssimo, o estudante de uma EJ não está fadado a um potencial negador de classe. A UFJF, assim como qualquer outra instituição privada, também foi pensada e cumpre um papel puramente mercadológico, nem por isso os trabalhadores não poderiam ser combativos. Não existe ponto de coalizão de interesses entre o capital e o trabalhador. Entretanto um DCE combativo pode fazer pressão para impulsionar projetos que viabilizam o interesse de classe dos trabalhadores. Projetos de EJs podem viabilizar a criação de mais postos de trabalho. Podem-se abrir discussões para a coletividade dos trabalhadores, ainda que dentro de um exercício contraditório. A mesma cultura empreendedora que fomenta a individualidade dá certa autonomia para os estudantes que se sujeitam a tal prática. Essa autonomia pode dar certa margem de manobra para que consigamos atender os interesses de classe.

Em nenhum momento as chapas da esquerda demonstraram que queria acabar com as EJs, entretanto não mostraram interesse em querer apoiar. Isso nos custou caro. Há cursos que sofrem pressão do mercado para que se tenha a iniciativa privada como parte da formação. Retorno a dizer que talvez não fosse esse o fator decisivo, mas diante das pressões do mercado é que muitos podem ter decido o seu voto para qual chapa encabeçaria a próxima gestão para o DCE.

Agora uma única coisa nos resta: desempenhar a difícil tarefa de sermos oposição de uma chapa que inesperadamente conquistou vários estudantes. Dessa vez espero que tenhamos a maturidade de tocar um debate de forma ampla, honesta e crítica.

Até as próximas eleições. Tempo é o que não nos faltará para pensar.


¹ Informações tiradas a partir do vídeo da Chapa 4 que pode ser visualizado neste link pelo Facebook. Data de acesso: 08 de Julho de 2016 às 15:53
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