quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Estudo aponta 6 mitos mais comuns sobre a população de rua.



Não é de hoje que o morador de rua é descrito como um ser invisível em meio a urbe. Durante quatro anos o Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora e o doutorando, à época do estudo, Igor Rodrigues realizaram uma pesquisa para entender melhor essa população. A pesquisa intitulada de “A construção social do morador de rua: o controle simbólico da identidade” discute a vinculação da imagem da população de rua a uma série de preconceitos, como confundir necessidade com escolha e reduzir o problema social apenas à falta de moradia, migração ou fatores econômicos.

Neste trabalho é possível encontrar algumas desmitificações como...




...a invisibilidade da população de rua. 

 

A violência policial foi um dos pontos trabalhados na pesquisa, relacionando o problema a outro mito preestabelecido, o da “invisibilidade”. Segundo Rodrigues, a invisibilidade social não deve ser descartada, mas lembra que quando se taxa uma parcela de “invisível”, oculta-se a enorme repressão sofrida por ela. “Notei algo que não está no campo do visível e do invisível, que é a intolerância, inclusive policial. Essas pessoas narravam uma grande quantidade de espancamentos, violência policial física, psicológica e documental. Ou seja, talvez, do ponto de vista repressivo, de controle penal policial, essas pessoas sejam mais visíveis que a maioria da população, especialmente classes superiores, brancas. Talvez nós sejamos mais invisíveis que o morador de rua do ponto de vista policial”

...moradores de rua são perigosos.

 

“Se o pesquisador vai a campo com isso na cabeça, trata unilateralmente o seu medo em relação a ele, quando, na verdade, existe uma via oposta, que é o medo dele para com o estranho”. Rodrigues explica que o próprio morador de rua também se utiliza dessa crença para conseguir intimidar ou persuadir alguém a lhe ajudar. Mas quando perguntados se são perigosos, respondem que não. “É interessante perceber como ele aceita esse rótulo, e isso é um problema, porque essa pessoa passa a incorporar a forma perversa que a sociedade a trata”, comenta.

...mendigo e morador de rua são a mesma coisa.

 

“O mendigo vive da mendicância, pedindo”, especifica Rodrigues. “A diferença é que ele nem sempre mora na rua, mas desenvolve sociabilidade ligada à ela. Já o morador de rua nem sempre pede, e quando perguntados se são mendigos, respondem que não, que trabalham”. No entanto, os próprios moradores de rua não enxergam sua atividade como um trabalho legítimo.

...moradores de rua não trabalham.

 

O pesquisador observou que, em muitos casos, a rotina de trabalho dos moradores de rua não tem descanso ou divisão de dias úteis. Um exemplo dessa realidade citado é o serviço de catador de lixo. Grandes empresas multinacionais têm setores dedicados à reciclagem e lucram muito, mas os catadores não possuem vínculo formal com elas, mesmo sendo sua base da produção. “Observa-se uma desvinculação entre trabalho e emprego. Esse é um problema, o mercado da informalidade. Essas pessoas não servem para o emprego porque são consideradas indisciplinadas, sujas demais, e o mercado não as aceita. Ou seja, é uma mão de obra muito barata, quase escrava, sem garantias constitucionais e trabalhistas”. Graduado em Direito, Rodrigues percebeu que uma das grandes dificuldades do trabalho informal e de inserção social e profissional dos moradores de rua passa por sua situação jurídica. “Por estarem abaixo da linha da pobreza, não possuírem endereço fixo, telefone, e por terem grande dificuldade de arquivar e conservar documentos, esbarram na burocracia na hora de conseguir acesso a programas sociais, como o Bolsa Família.

...o morador de rua escolheu essa vida.

 

Outro mito destrinchado é o denominado “mito do ser masoquista”, em que se atribui ao morador de rua a escolha pela indigência, transformando a necessidade em opção. “Costuma se pensar que para sair da rua a pessoa depende de vontade própria, esforço. No limite, se interpreta isso como uma questão de escolha”. Rodrigues afirma, inclusive, que o morador de rua não é livre dessas ideologias. “Quando perguntados sobre o que falta para saírem da rua, muitos respondem que falta criar ‘vergonha na cara’, se culpando pelo próprio fracasso. Muitas vezes, o morador de rua não se vê como vítima, mas como culpado pela própria situação”. “Isso é um mito porque oculta a trajetória de classe dessas pessoas. O que está por trás da migração é a estrutura social e a rede de sociabilidade que esse indivíduo tem, inclusive econômica”. Segundo Rodrigues, a migração da classe média tem garantias financeiras, emocionais e afetivas. E quando um indivíduo pobre migra, fica desguarnecido dessas garantias. “O morador de rua não chega naquela condição da noite para o dia, existe uma longa trajetória familiar, perda de pais, problemas econômicos e de escolaridade. Quando migra, perde parte da pequena rede de solidariedade que tinha”.

...um teto resolveria o problema.

 

“Outro mito é a questão dos sem-teto, porque passa a impressão que o problema existe apenas do ponto de vista habitacional. A própria noção norte-americana de homeless tende a acreditar que a moradia fosse solucionar o problema e, no limite, como se a questão econômica fosse o único empecilho”, aponta Rodrigues. “O morador de rua é, antes de tudo, um problema social, uma questão de afetividade, de capital cultural”.





Nesta pesquisa ainda o pesquisador nos dá sugestões de como resolver o problema da população de rua. “É preciso conhecer quais são suas redes de sociabilidade, afetividade, e as linguagens da rua para entender a situação.” O pesquisador também comenta que deve haver uma política pública que regularize a vida jurídica dessas pessoas, e ainda denuncia: “Por outro lado, em muitos casos, a polícia rasga documentos dessas pessoas, mostrando uma desarticulação entre as politicas públicas, de modo incoerente”. Para Rodrigues, o problema é que “a vítima é transformada em monstro”.


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